12 de jun. de 2012

Uma palavra sobre a descriminilização do aborto de anencéfalos


POR:  João Henrique R. Marçal


Ao nos referirmos que vivemos em um país laico temos que ter em mente o que isso realmente significa. A Igreja, ou qualquer outra religião, seja ela, cristã ou não, não deve interferir nas questões políticas do Estado assim como o Estado também não interfere nos assuntos que diz respeito à religião. Uma lei não deve ter por base a questão religiosa o peso da influência religiosa não deve ser o que sustenta a criação de uma nova lei.
Se o país é laico isso significa que o povo tem liberdade de escolha religiosa e a religião não tem um peso fundamental nas decisões que, por exemplo, o STF (Supremo Tribunal Federal) venha decidir para o bom andamento do país. 
No dia 12 de abril de 2012 foi aprovada, pelos Ministros do STF, em sua maioria, a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro).[1] Causando grande polêmica no meio de várias entidades religiosas que se posicionam contrárias a qualquer tipo de aborto. Por anencefalia devemos entender que consiste na ausência no feto dos dois hemisférios cerebrais. (PESSINI, BARCHIFONTAINE, 2000, pg 243)[2]. 
Mas o que não é entendido aqui é que o STF está dando amparo legal para as mães que desejam interromper a gestação quando se encontrarem nesta situação. Não há a obrigatoriedade e sim a livre escolha da mãe de abortar ou não respeitando, assim, a autonomia da mulher. 
A opinião da mãe é mais importante e esta tem que ser respeitada. A mulher que gesta uma criança anencéfala, tendo este amparo legal, evita ter que buscar uma autorização judicial, que poderia ser aceita ou não e também evita que ela viesse a recorrer, devido à sua condição, a abortos clandestinos. 
A mulher gestante de um feto anencéfalo, realizando ou não o aborto, sofre grandes conseqüências emocionais, dizer que mulheres que abortam sofrem mais do que as que levam a gestação até o fim é muito subjetivo já que não há critérios empíricos para diferenciar um ou outro tipo de sofrimento. 
Usar também de argumentos religiosos para negar a prática de aborto, nestas situações, principalmente argumentos levantados pela igreja cristã, seja ela católica ou protestante, ou quaisquer outras ramificações religiosas, não é determinante para que o STF tome suas decisões pelos seguintes motivos:

1.   O Brasil é um país laico, suas leis não têm como base critérios religiosos;

2.   Apesar de ser considerado um país cristão, nem todos professam o cristianismo como religião de sua preferência;

3.   Os argumentos levantados por religiosos cristãos, no Brasil, são, muitas vezes, tendenciosos, e, na maioria das vezes, somente aqueles que são praticantes vão levar em consideração tais argumentos.

A opinião pública deve ser levada em consideração, mas, essa não deve ter como base o viés religioso. Para que isso aconteça o tema discutido tem que ter ampla divulgação e, no caso de anencéfalos mostrar:

1.   O número de casos no Brasil (4º País com maior número de incidências no mundo, segundo a OMS) que é de 1:1000;

2.   As conseqüências psicológicas que uma gravidez desta natureza causa na família, em especial, na mãe;

3.   Os riscos que esta gestação, levada até o fim, causam à mãe;

4.   O que se verifica, atualmente é que, apesar de toso o arsenal técnico e científico da medicina, o anencéfalo está fadado ao óbito. (RIBEIRO, 2012).

O STF, órgão máximo do judiciário, em todo momento, com a determinação e legalização do aborto de anencéfalos, quer salvaguardar a integridade moral, psicológica e também a autonomia da gestante a quem cabe decidir ou não pela interrupção da gravidez.

Silas Malafaia faz um comentário divulgado no site Gospelmais[3] sobre a aprovação, pelo STF, do aborto de fetos anencéfalos nos seguintes termos
Ele diz que o seu comentário terá o viés: teológico, científico e jurídico, vou tentar aqui refutar esses três viéses de Silas Malafaia.
No que tange à Teologia, o problema está no discurso generalizando como se todo o povo brasileiro fosse cristão. O discurso teológico dele é feito para quem frequenta a sua igreja, mas aos que não vão à igreja ou não são cristãos, isso se torna vago, como um Ateu, Agnóstico, Budista, Mulçumano ou qualquer outro membro de uma religião não cristã dará crédito a esse argumento teológico? Temos que ter em mente que vivemos em um país laico e também um país pluralista no aspecto religioso, não se pode impor religiosamente o que se deve fazer ou não, ainda mais quando, como foi dito no começo, o país laico não sofre interferências religiosas em suas decisões políticas. Se o Brasil fosse, realmente, cristão, no sentido próprio da palavra, ou seja, que sua população fosse frequentadora de alguma igreja cristã esses argumentos poderiam ser levados em consideração. O que não pode ser feito é impor a minha fé como regra de fé para os demais. A fé é algo subjetivo, a minha fé é minha e eu não posso impor o que eu acredito aos outros.
Quanto aos textos bíblicos que ele citou, digo o mesmo, isso só vale para aqueles que estão dentro da mesma fé que ele, ou seja, aqueles que estão dentro da sua igreja, aos que estão de fora ou para os que não acreditam esses argumentos não soam como argumentos válidos. O que não pode ser feito é pegar versículos isolados da Bíblia e usá-los de maneira a defender um argumento, o texto bíblico tem que ser usado de uma forma completa com uma interpretação realmente válida.
Sobre o Salmo 139 Silas Malafaia diz o seguinte: O Salmo 139 mostra, de maneira espetacular, que antes da concepção Deus já tinha anotado tudo em seu livro, antes da existência de qualquer parte do nosso corpo (versículo 16b). Concordo plenamente com isso, porque é exatamente isso que o salmista diz, mas se eu for levar este salmo ao pé da letra, e eu não estou duvidando do que está escrito, eu não posso, de forma alguma condenar, como a igreja faz, a homoafetividade como pecado, a prostituição como pecado ou qualquer outro tipo de ação ou atitude que esteja fora da regra da fé prevista pela igreja cristã, porque o próprio Deus já escreveu tudo sobre essas pessoas, e condená-las é ir contra ao que Deus já estabeleceu. Se Deus realmente escreveu a vida de cada pessoa, antes mesmo desta ser concebida, como o salmista diz, eu não posso ir contra a nenhum tipo de atitude, certa ou errada, porque já foi pré-determinado pelo próprio Deus.
Na questão científica não tenho muito a dizer a não ser concordar com o que ele fala, porque está correto. A única coisa que digo é sobre o sofrimento da mulher, que sofrimento será maior? Como eu posso medir o que uma pessoa sente? O que é pior? Carregar um filho nove meses dentro do útero e após ele nascer ao invés de levá-lo para casa a mãe o leva para o cemitério? A decisão não cabe à igreja e sim à mãe e aos que a cercam. Com a aprovação desta lei o Estado deve dar o respaldo psicológico e apoio médico à mãe que escolheu pelo aborto dada a situação que se encontra o feto, no caso, sem o cérebro. Seja qual for a decisão da mãe ela tem, agora, o apoio do Estado. Não cabe à Igreja decidir pela mãe a decisão é dela e da sua família. A aprovação da descriminalização de aborto de anencéfalos não obriga a mãe a realizar o aborto, como foi dito, a decisão é dela, esta aprovação só da o respaldo necessário caso o aborto seja a vontade da mãe, caso contrário ela irá agir conforme a sua consciência. Sem dúvida, se persistir a mentalidade que cria os motivos para o aborto, a sociedade continuará abortando, com ou sem legalização. Pois nem a legalização força o aborto, nem a proibição consegue evitá-lo.[4]
Silas Malafaia diz no texto: O sofrimento de uma mulher que dá a luz a uma criança anencéfala pode ser, no máximo, nove meses. Mas o sofrimento de uma mulher que faz qualquer tipo de aborto pode ser por toda a vida. Primeiro não estamos falando de qualquer tipo de aborto e em segundo lugar me diz uma coisa: sofrimento de no máximo nove meses? Ai o filho nasce, ela leva-o para o cemitério e isso não vai acarretar um sofrimento maior ainda? Por favor, esse argumento está totalmente fora da realidade. O sofrimento será semelhante, se não for maior, já que ao abortar, conscientemente, ela não verá o filho, ela está ciente do que está fazendo. Ela, a mãe, não está abortando por motivo fútil. O que me deixa indignado é que todos pensam no feto, mas e a mãe? Quem se preocupa com a mãe? Não vi no comentário de Silas Malafaia uma palavra se quer em favor da mãe, porque quando ele fala nas consequêcias psicológicas pós aborto é para sensibilizar as pessoas, mas não está, a meu ver, nem um pouco preocupado com o sentimento de perda da mãe.
Na questão jurídica o aborto no Brasil é crime, fato! Salvo quando a mulher for vítima de estupro e também quando a gestante sofre risco de morte. Isso já está respaldado pela legislação brasileira. O Código Penal Brasileiro diz:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico. Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante.
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Então quando o Silas Malafaia diz com todas as letras que o aborto no Brasil é crime ele se esquece do artigo 128.
No texto que é escrito pelo pastor ele pede para lermos matérias em sites gospel, mas por que será que ele não busca outro tipo de opinião? Pessoas que não são ligadas a nem um tipo de religião? Eu não preciso ser religioso, no caso aqui cristão, para aprovar ou desaprovar tal ou tal ideia eu preciso ter bons argumentos para defender aquilo que eu acredito. A conduta etica e moral de uma pessoa independem de religião ou credo, mesmo a religião sendo um vetor de credo e moral levando, assim, as pessoas a uma conduta ética. Ele pede também para ler um artigo na revista Veja, mas sou mais favorável ao que li outro dia: Não Veja, pense!
Com isso deixo minha manifestação. Sou a favor da autonomia da mãe, cabe a ela decidir, desde que esteja dentro daquilo que a lei preconiza. Se a lei dá essa oportunidade hoje não quer dizer que amanhã o Brasil irá aprovar o aborto em qualquer circunstância, porque a questão não foi essa, a questão foi os casos de fetos anencéfalos, não se discutiu nem um outro tipo de aborto, como por exemplo, em toda e qualquer situação, basta a mulher querer e ela terá esse direito defendido, em relação a isso eu sou contra, sem dúvidas, porque defender o aborto em qualquer situação ou tempo de gestação, para mim, seria a banalização da vida. O que temos que fazer é refletir sobre o assunto, sobre a dignidade da mãe que tem os seus direitos, agora defendidos pelo Estado. A quem pertence à decisão senão somente à mãe?


[1] http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=180615&id_secao=1
[2]PESSINI, L. e BARCHIFONTAINE C. P. - Problemas Atuais de Bioética Ed. Loyola 2000
[3] noticias.gospelmais.com.br
[4] Problemas atuais de Bioética, pg.241 Leo Pessini; Christian de Paul de Barchifontaine