6 de mar. de 2011

BIOÉTICA e DIREITOS HUMANOS

A vida humana como valor ético

Qualquer ação humana que tenha algum reflexo sobre as pessoas e seu ambiente deve implicar o reconhecimento de valores e uma avaliação de como estes poderão ser afetados. O primeiro desses valores é a própria pessoa, com as peculiaridades que são inerentes à sua natureza, inclusive suas necessidades materiais, psíquicas e espirituais. Ignorar essa valoração ao praticar atos que produzam algum efeito sobre a pessoa humana, seja diretamente sobre ela ou através de modificações do meio em que a pessoa existe, é reduzir a pessoa à condição de coisa, retirando dela sua dignidade. Isto vale tanto para as ações de governo, para as atividades que afetem a natureza, para empreendimentos econômicos, para ações individuais ou coletivas, como também para a criação e aplicação de tecnologia ou para qualquer atividade no campo da ciência.
Entre os valores inerentes à condição humana está a vida. Embora a sua origem permaneça um mistério, tendo-se conseguido, no máximo, associar elementos que a produzem ou saber que em certas condições ela se produz, o que se tem como certo é que sem ela a pessoa humana não existe como tal, razão pela qual é de primordial importância para a humanidade o respeito à origem, à conservação e à extinção da vida.
O que hoje pode ser afirmado com argumentos sofisticados, após milênios de reflexões e discussões filosóficas, foi pensado ou intuído pela humanidade há milhões de anos e continua presente no modo de ser de todos os grupos humanos, tanto naqueles que se consideram mais avançados como nos que vivem em condições julgadas mais rudimentares, como os grupos indígenas que ainda vivem isolados nas selvas. Como foi assinalado por Aristóteles e por muitos outros pensadores, e as modernas ciências que se ocupam do ser humano e de seu comportamento o confirmam, o ser humano é associativo por natureza. Por necessidade material, psíquica (aqui incluídas as necessidades intelectuais e afetivas), espiritual, todo ser humano depende de outros para viver, para desenvolver sua vida e para sobreviver.
A percepção desse fato é que faz da vida um valor, tanto nas sociedades que se consideram mais evoluídas e complexas quanto naquelas julgadas mais simples e rudimentares.
Desse modo, reconhecida a vida como um valor, foi que se chegou ao costume de respeitá-la, incorporando-a ao ethos de todos os povos, embora com algumas variações decorrentes de peculiaridades culturais. Assim, independentemente de crenças religiosas ou de convicções filosóficas ou políticas, a vida é um valor ético. Na convivência necessária com outros seres humanos cada pessoa é condicionada por esse valor e pelo dever de respeitá-lo, tenha ou não consciência do mesmo. A par disso, é oportuno lembrar que tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada pela ONU em 1948, quanto os Pactos de Direitos Humanos que ela aprovou em 1966 proclamam a existência de uma dignidade essencial e intrínseca, inerente à condição humana. Portanto, a vida humana é mais do que a simples sobrevivência física, é a vida com dignidade, sendo esse o alcance da exigência ética de respeito à vida, que, como observa Cranston, por corresponder, entre outras coisas, ao desejo humano de sobrevivência, está presente na ética de todas as sociedades humanas.
A ética de um povo ou de um grupo social é um conjunto de costumes consagrados, informados por valores. A partir desses costumes é que se estabelece um sistema de normas de comportamento cuja obediência é geralmente reconhecida como necessária ou conveniente para todos os integrantes do corpo social. Se alguém, por conveniência ou convicção pessoal, procura contrariar ou efetivamente contraria uma dessas normas tem comportamento antiético, presumivelmente prejudicial a outras pessoas ou a todo o grupo, quando não a todos os seres humanos. Assim, fica sujeito às sanções éticas previstas para a desobediência, podendo, pura e simplesmente, ser impedido de prosseguir na prática antiética ou, conforme as circunstâncias, ser punido pelos danos que tenha causado ou ser obrigado a repará-los. Todos estes fatorem têm aplicação à proteção da vida no plano da ética, sem prejuízo da proteção resultante de seu reconhecimento como valor jurídico.

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