POR: João Henrique R. Marçal
Ao nos referirmos que vivemos em
um país laico temos que ter em mente o que isso realmente significa. A Igreja,
ou qualquer outra religião, seja ela, cristã ou não, não deve interferir nas
questões políticas do Estado assim como o Estado também não interfere nos
assuntos que diz respeito à religião. Uma lei não deve ter por base a questão
religiosa o peso da influência religiosa não deve ser o que sustenta a criação
de uma nova lei.
Se o país é laico isso significa
que o povo tem liberdade de escolha religiosa e a religião não tem um peso
fundamental nas decisões que, por exemplo, o STF (Supremo Tribunal Federal)
venha decidir para o bom andamento do país.
No dia 12 de abril de 2012 foi aprovada, pelos Ministros do STF, em sua
maioria, a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro).
Causando grande polêmica no meio de várias entidades religiosas que se
posicionam contrárias a qualquer tipo de aborto. Por anencefalia devemos
entender que consiste na ausência no feto
dos dois hemisférios cerebrais. (PESSINI, BARCHIFONTAINE, 2000, pg 243).
Mas o que não é entendido aqui é que o STF está dando amparo legal para
as mães que desejam interromper a gestação quando se encontrarem nesta
situação. Não há a obrigatoriedade e sim a livre escolha da mãe de abortar ou
não respeitando, assim, a autonomia da mulher.
A opinião da mãe é mais importante e esta tem que ser respeitada. A
mulher que gesta uma criança anencéfala, tendo este amparo legal, evita ter que
buscar uma autorização judicial, que poderia ser aceita ou não e também evita
que ela viesse a recorrer, devido à sua condição, a abortos clandestinos.
A mulher gestante de um feto anencéfalo, realizando ou não o aborto,
sofre grandes conseqüências emocionais, dizer que mulheres que abortam sofrem
mais do que as que levam a gestação até o fim é muito subjetivo já que não há
critérios empíricos para diferenciar um ou outro tipo de sofrimento.
Usar também de argumentos religiosos para negar a prática de aborto,
nestas situações, principalmente argumentos levantados pela igreja cristã, seja
ela católica ou protestante, ou quaisquer outras ramificações religiosas, não é
determinante para que o STF tome suas decisões pelos seguintes motivos:
1.
O Brasil é um país laico, suas
leis não têm como base critérios religiosos;
2.
Apesar de ser considerado um país
cristão, nem todos professam o cristianismo como religião de sua preferência;
3.
Os argumentos levantados por
religiosos cristãos, no Brasil, são, muitas vezes, tendenciosos, e, na maioria
das vezes, somente aqueles que são praticantes vão levar em consideração tais
argumentos.
A opinião pública deve ser levada em consideração, mas, essa não deve ter
como base o viés religioso. Para que isso aconteça o tema discutido tem que ter
ampla divulgação e, no caso de anencéfalos mostrar:
1.
O número de casos no Brasil (4º
País com maior número de incidências no mundo, segundo a OMS) que é de 1:1000;
2.
As conseqüências psicológicas que
uma gravidez desta natureza causa na família, em especial, na mãe;
3.
Os riscos que esta gestação, levada
até o fim, causam à mãe;
4.
O que se verifica, atualmente é
que, apesar de toso o arsenal técnico e científico da medicina, o anencéfalo
está fadado ao óbito. (RIBEIRO, 2012).
O STF, órgão máximo do judiciário, em todo momento, com a determinação e
legalização do aborto de anencéfalos, quer salvaguardar a integridade moral,
psicológica e também a autonomia da gestante a quem cabe decidir ou não pela
interrupção da gravidez.
Silas Malafaia faz um comentário divulgado
no site Gospelmais sobre
a aprovação, pelo STF, do aborto de fetos anencéfalos nos seguintes termos
Ele diz que o seu comentário terá
o viés: teológico, científico e jurídico, vou tentar aqui refutar esses três viéses de Silas Malafaia.
No que tange à Teologia, o
problema está no discurso generalizando como se todo o povo brasileiro fosse
cristão. O discurso teológico dele é feito para quem frequenta a sua igreja,
mas aos que não vão à igreja ou não são cristãos, isso se torna vago, como um
Ateu, Agnóstico, Budista, Mulçumano ou qualquer outro membro de uma religião
não cristã dará crédito a esse argumento teológico? Temos que ter em mente que
vivemos em um país laico e também um país pluralista no aspecto religioso, não
se pode impor religiosamente o que se deve fazer ou não, ainda mais quando,
como foi dito no começo, o país laico não sofre interferências religiosas em
suas decisões políticas. Se o Brasil fosse, realmente, cristão, no sentido
próprio da palavra, ou seja, que sua população fosse frequentadora de alguma
igreja cristã esses argumentos poderiam ser levados em consideração. O que não
pode ser feito é impor a minha fé como regra de fé para os demais. A fé é algo
subjetivo, a minha fé é minha e eu não posso impor o que eu acredito aos
outros.
Quanto aos textos bíblicos que
ele citou, digo o mesmo, isso só vale para aqueles que estão dentro da mesma fé
que ele, ou seja, aqueles que estão dentro da sua igreja, aos que estão de fora
ou para os que não acreditam esses argumentos não soam como argumentos válidos.
O que não pode ser feito é pegar versículos isolados da Bíblia e usá-los de
maneira a defender um argumento, o texto bíblico tem que ser usado de uma forma
completa com uma interpretação realmente válida.
Sobre o Salmo 139 Silas Malafaia
diz o seguinte: O
Salmo 139 mostra, de maneira espetacular, que antes da concepção Deus já tinha
anotado tudo em seu livro, antes da existência de qualquer parte do nosso corpo
(versículo 16b). Concordo plenamente com isso,
porque é exatamente isso que o salmista diz, mas se eu for levar este salmo ao
pé da letra, e eu não estou duvidando do que está escrito, eu não posso, de
forma alguma condenar, como a igreja faz, a homoafetividade como pecado, a
prostituição como pecado ou qualquer outro tipo de ação ou atitude que esteja
fora da regra da fé prevista pela igreja cristã, porque o próprio Deus já
escreveu tudo sobre essas pessoas, e condená-las é ir contra ao que Deus já
estabeleceu. Se Deus realmente escreveu a vida de cada pessoa, antes mesmo
desta ser concebida, como o salmista diz, eu não posso ir contra a nenhum tipo
de atitude, certa ou errada, porque já foi pré-determinado pelo próprio Deus.
Na questão científica não tenho
muito a dizer a não ser concordar com o que ele fala, porque está correto. A
única coisa que digo é sobre o sofrimento da mulher, que sofrimento será maior?
Como eu posso medir o que uma pessoa sente? O que é pior? Carregar um filho
nove meses dentro do útero e após ele nascer ao invés de levá-lo para casa a
mãe o leva para o cemitério? A decisão não cabe à igreja e sim à mãe e aos que
a cercam. Com a aprovação desta lei o Estado deve dar o respaldo psicológico e
apoio médico à mãe que escolheu pelo aborto dada a situação que se encontra o
feto, no caso, sem o cérebro. Seja qual for a decisão da mãe ela tem, agora, o
apoio do Estado. Não cabe à Igreja decidir pela mãe a decisão é dela e da sua
família. A aprovação da descriminalização de aborto de anencéfalos não obriga a
mãe a realizar o aborto, como foi dito, a decisão é dela, esta aprovação só da
o respaldo necessário caso o aborto seja a vontade da mãe, caso contrário ela
irá agir conforme a sua consciência. Sem dúvida, se
persistir a mentalidade que cria os motivos para o aborto, a sociedade
continuará abortando, com ou sem legalização. Pois nem a legalização força o
aborto, nem a proibição consegue evitá-lo.
Silas Malafaia diz no texto: O sofrimento de uma mulher que dá a
luz a uma criança anencéfala pode ser, no máximo, nove meses. Mas o sofrimento
de uma mulher que faz qualquer tipo de aborto pode ser por toda a vida. Primeiro não estamos falando de qualquer tipo de aborto e em segundo
lugar me diz uma coisa: sofrimento de no máximo nove meses? Ai o filho nasce,
ela leva-o para o cemitério e isso não vai acarretar um sofrimento maior ainda?
Por favor, esse argumento está totalmente fora da realidade. O sofrimento será
semelhante, se não for maior, já que ao abortar, conscientemente, ela não verá
o filho, ela está ciente do que está fazendo. Ela, a mãe, não está abortando
por motivo fútil. O que me deixa indignado é que todos pensam no feto, mas e a
mãe? Quem se preocupa com a mãe? Não vi no comentário de Silas Malafaia uma
palavra se quer em favor da mãe, porque quando ele fala nas consequêcias
psicológicas pós aborto é para sensibilizar as pessoas, mas não está, a meu
ver, nem um pouco preocupado com o sentimento de perda da mãe.
Na questão jurídica o aborto no Brasil é crime, fato! Salvo quando a
mulher for vítima de estupro e também quando a gestante sofre risco de morte.
Isso já está respaldado pela legislação brasileira. O Código Penal Brasileiro
diz:
Art.
128 - Não se pune o aborto praticado por médico. Aborto necessário I -
se não há outro meio de salvar a vida da gestante.
Aborto
no caso de gravidez resultante de estupro II
- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Então quando o Silas Malafaia diz
com todas as letras que o aborto no Brasil é crime ele se esquece do artigo
128.
No texto que é escrito pelo
pastor ele pede para lermos matérias em sites gospel, mas por que será que ele
não busca outro tipo de opinião? Pessoas que não são ligadas a nem um tipo de
religião? Eu não preciso ser religioso, no caso aqui cristão, para aprovar ou
desaprovar tal ou tal ideia eu preciso ter bons argumentos para defender aquilo
que eu acredito. A conduta etica e moral de uma pessoa independem de religião
ou credo, mesmo a religião sendo um vetor de credo e moral levando, assim, as
pessoas a uma conduta ética. Ele pede também para ler um artigo na revista
Veja, mas sou mais favorável ao que li outro dia: Não Veja, pense!
Com isso deixo minha
manifestação. Sou a favor da autonomia da mãe, cabe a ela decidir, desde que
esteja dentro daquilo que a lei preconiza. Se a lei dá essa oportunidade hoje
não quer dizer que amanhã o Brasil irá aprovar o aborto em qualquer
circunstância, porque a questão não foi essa, a questão foi os casos de fetos
anencéfalos, não se discutiu nem um outro tipo de aborto, como por exemplo, em
toda e qualquer situação, basta a mulher querer e ela terá esse direito
defendido, em relação a isso eu sou contra, sem dúvidas, porque defender o
aborto em qualquer situação ou tempo de gestação, para mim, seria a banalização
da vida. O que temos que fazer é refletir sobre o assunto, sobre a dignidade da
mãe que tem os seus direitos, agora defendidos pelo Estado. A quem pertence à
decisão senão somente à mãe?